terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

# Terra arrasada

Daniel Santini e Kátia Mello

Mais de uma semana depois do terremoto que atingiu o Haiti, pelo menos 50 mil corpos já haviam sido recolhidos e muitos estavam espalhados pelos escombros. Autoridades locais estimavam que o número de vítimas fatais pudesse passar de 200 mil.

As imagens de cadáveres cobertos de pó foram transmitidas para todo o mundo, junto com promessas de ajuda. Alguns dos mais poderosos governantes anunciaram pacotes de apoio, envio de tropas, comida e remédios. Até a segunda-feira (18), a quantia prometida por mais de 47 países e órgãos internacionais para reerguer o Haiti passava de R$ 1,2 bilhão, segundo levantamento da Folha Universal.

Nas ruas, porém, as pessoas brigavam desesperadas por alimentos e água, lojas eram saqueadas e feridos procuravam ajuda. Mesmo com a comoção mundial e a mobilização e solidariedade de povos de todo o planeta, uma semana depois do desastre as perspectivas ainda eram sombrias para o país.

“As cifras divulgadas são astronômicas e a impressão é de que esse dinheiro da ajuda vai parar direto nas mãos dos haitianos. Não é bem assim”, diz o cientista político e doutor em Relações Internacionais Reginaldo Nasser.

“O caminho não é direto entre o doador e quem recebe. Há recursos que são desviados antes de chegarem nas mãos de quem está precisando”, aponta o especialista, que tem estudado a militarização e o uso político das missões humanitárias durante desastres e guerras.

“A ajuda humanitária frequentemente é tratada como uma questão meramente filantrópica ou de solidariedade, mas nos últimos anos ela vem se tornando cada vez mais um instrumento político e econômico”, afirma Nasser.

Ele cita como exemplo as ações tomadas após a destruição provocada pelo tsunami na Ásia, em 2004. “Na época, os governos alegaram que as áreas perto das praias não poderiam mais ser habitadas por questões de segurança e retiraram a população local.

Depois, o espaço foi liberado para hotéis, que acabaram beneficiados por doações feitas para ajudar esses moradores”, lembra.

No Haiti, nos dias que se seguiram ao abalo, os Estados Unidos assumiram o aeroporto em ruínas e passaram a controlar o espaço aéreo. Em seguida, o presidente Barack Obama anunciou o envio de mais de 10 mil soldados.

O Brasil, à frente das tropas da Organização das Nações Unidas (ONU) que ocupam e controlam militarmente o país, organizou remessas de comida, água e
remédios e reclamou de restrições para o pouso e decolagem dos aviões carregados.

Em meio às rusgas, diplomatas e secretários trabalham para manter o equilíbrio na divisão de poder dentro do país.

Para que os milhões prometidos para a reconstrução não se percam, Nasser defende um projeto de desenvolvimento que inclua políticas de emprego e reconstrução das instituições locais.

“Primeiro é preciso resolver as questões emergenciais, tratar os feridos, salvar pessoas, aí não há o que discutir. Mas depois, quando o assunto sair de foco, é preciso atenção.

Estudos mostram que muito do dinheiro doado como ajuda volta para os países de origem, seja na contratação de empresas para construções, seja devido a pré-condições que vão do fim de barreiras alfandegárias a privatizações”, analisa.

“Desde 1990 o Haiti tem recebido ajuda e há pobreza. Para onde vai esse auxílio? Apesar de o apoio humanitário ter ajudado, ele não resultou em benefícios”, ressalta.

O Haiti é o país mais pobre do Hemisfério Ocidental. Antes mesmo do desastre, a falta de itens básicos já era um problema grave. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, da sigla em inglês), antes do terremoto, em uma população de 9,2 milhões, o número de desnutridos era de 5,3 milhões (58%) e o de pessoas abaixo da linha da pobreza de 7,3 milhões (80%).

Em meio à miséria local, é difícil obter estatísticas precisas e os números variam de acordo com os levantamentos feitos por diferentes grupos internacionais (veja mais dados acima), mas é possível traçar estimativas da gravidade dos efeitos do terremoto.

Assim como Nasser, o representante regional da FAO para América Latina e Caribe, José Graziano da Silva, aponta a necessidade urgente de criar bases para a nação se reerguer. “O país enfrenta muitos desafios nesses primeiros dias, tais como resgatar, tratar, abrigar e alimentar os afetados. Mas também já precisamos nos preparar para o futuro.

A próxima temporada de plantio no Haiti começa em março e uma boa colheita vai ser muito importante para garantir a segurança alimentar”, defende Graziano da Silva.

A crise alimentar do Haiti, que é anterior ao terremoto e até mesmo às tempestades que destruíram plantações em 2008, está diretamente relacionada a reformas
implementadas nas últimas décadas. “Eles eram grandes produtores de arroz, mas foram forçados a medidas que desestimularam o plantio.

Os Estados Unidos exigiram que baixassem a tarifa de importação e cortassem os subsídios. Eles não conseguiram mais competir com a produção dos norte-americanos, que tinham ajuda do governo”, explica o jornalista Aloísio Milani, que já visitou a
capital Porto Príncipe quatro vezes e hoje trabalha em um livro sobre o Haiti.

Ele considera “hipocrisia” os ex-presidentes norte-americanos Bill Clinton e George Bush estarem à frente do programa oficial para recolher doações.

á dois momentos: o imediato, em que são necessários médicos, alimentos, remédios. E o segundo, que é o da reconstrução”, defende. “A população foi para debaixo da terra. Terão que recomeçar tudo. Executivos, ministros, senadores, policiais, muita gente que fazia parte do governo morreu.

A ajuda humanitária vai até um determinado momento. Depois, ela vai diminuindo, diminuindo, até sumir.
Vamos voltar a um momento de dependência extrema de estrangeiros”, prevê.

Ele questiona o envio de tantos soldados para o país após a catástrofe. “É lógico que não dá para tirar todas as tropas de um dia para o outro. Com certeza há problemas de segurança, como tentativas de saque.

A população está desesperada, precisando beber e comer, e o país está um caos. Neste momento, porém, é melhor ter os 300 médicos que Cuba enviou do que os 10 mil soldados dos EUA”, afirma.

Milani defende que uma das principais medidas de ajuda seria o perdão da dívida externa com outras nações mais ricas e com organismos internacionais. “O Haiti tem dívidas com a França, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Todos exigem uma série de contrapartidas. É isso o que tem que ser discutido agora?”, questiona.

De acordo com o banco de dados da Agência Central de Informações (CIA) dos Estados Unidos, o Haiti teve, no ano passado, um déficit de mais de R$ 1 bilhão no comércio internacional. Se a situação já é crítica e a perspectiva não é das melhores, a história recente das duas regiões atingidas por tremores tão grandes como o que aconteceu no Haiti também não é muito animadora.

Dois terremotos ocorridos neste século entraram na lista dos dez maiores da história: em 2005, o Paquistão viu a região da Cashemira ruir com um tremor de 7,6 pontos na escala Richter, matando cerca de 86 mil pessoas e, em 2008, a província de Sichuan, na China, perdeu 87 mil habitantes em um terremoto de magnitude 7,9.

O abalo no Haiti foi de 7 pontos.
Até hoje a Cashemira enfrenta problemas. Segundo o técnico em informática paquistanês Jamil Ahmed, em entrevista ao colunista David Cohen, do jornal inglês
“London Evening Standard”, “metade dos 3,3 milhões de pessoas desabrigadas após a destruição de 500 mil casas ainda não têm moradia. Muitas delas vivem em barracos e até a metade de 2009 apenas 10% das escolas tinham sido reconstruídas e metade dos hospitais ainda estavam fechados. Você olha isso e pensa: onde foram parar os R$ 10,1 bilhões que mandaram para a gente?”, indigna-se Ahmed.

Mesmo na China, mais organizada econômica e socialmente que o Paquistão, 1 ano depois da tragédia ainda havia resquícios de prédios que desmoronaram em Sichuan.

E isso considerando que mais de R$ 33,7 bilhões foram gastos em projetos de reconstrução de casas. Em 2010, o governo prometeu investimentos de mais R$ 5,3 bilhões.

Parece impossível dizer quanto tempo o Haiti levará para se reerguer, mas uma coisa infelizmente é certa: não será rápido, muito menos fácil.

# Grã-Bretanha ou Reino Unido?


A confusão muito comum é fácil de explicar. Grã-Bretanha é a ilha de quase 230 mil quilômetros quadrados que é ocupada pela Inglaterra, País de Gales e Escócia.

Já o Reino Unido é um Estado formado por esses três países mais a Irlanda do Norte, que, juntos, têm uma população de cerca 60,6 milhões de pessoas, que falam, majoritariamente, dois idiomas oficiais: o inglês e o galês.

A chefe de Estado é a rainha Elizabeth II e o chefe de Governo é um primeiro-ministro (cargo ocupado atualmente por Gordon Brown) que é eleito por um Parlamento Central, instalado em Londres (Inglaterra), e ao qual cabe tratar de grandes questões, como a política econômica.